Qualquer cidadão que possui informações sobre a situação da educação no Brasil já se cansou de ouvir os infinitos e, em sua maioria infrutíferos, debates sobre os níveis de analfabetismo do país ou sobre os universitários que são analfabetos funcionais. Num mar de opiniões desconexas e, na maioria das vezes, fundadas apenas em paradigmas ideológicos, difundidas em podcasts e vídeos no YouTube, a repetição do tema acaba por trazer confusão e uma sensação de que não há nada a fazer. No entanto, o fenômeno da alfabetização é alvo de observação e pesquisa por cientistas há muitos anos, e parece que essas pesquisas não são lidas pela classe falante brasileira.
O artigo científico The simple view of Reading, de W. Hoove e P. Gough, discute os intrincados processos envolvidos no aprendizado da leitura, listando as inúmeras habilidades que são pré-requisito quando se fala em alfabetização. O trabalho procura destrinchar e compreender, quase que milimetricamente, o hábito de ler e escrever. No início do artigo, os autores afirmam que a ação de ler envolve “todo o conjunto de habilidades linguísticas, como a análise, a construção de pontes e a construção de discurso” (HOOVER; GOUGH, 1990, p. 128) e que a decodificação sem essas habilidades não é leitura. Ou seja, mais do que identificar caracteres e saber como produzir os sons correspondentes, é necessário ter “conhecimentos de mundo” e saber fazer perguntas. Assim, os questionamentos que surgem são: o que exatamente significa conhecimento de mundo? E como é possível desenvolver as capacidades de análise e construção de relações entre ideias?
É nesse ponto que se descobriu algo surpreendente. Diferentes pesquisas têm demonstrado que um hábito tradicional, simples e barato tem um potencial quase mágico para desenvolvimento das capacidades necessárias a um bom desenvolvimento acadêmico: a leitura em voz alta - que daqui para frente será chamada de LVA. Sim, estamos falando daquele momento informal de leitura de histórias para as crianças e adolescentes que ocorre em casa ou na escola. O artigo supramencionado decompõe o processo de leitura em onze habilidades necessárias para uma alfabetização satisfatória, relacionadas ou à compreensão linguística ou à decodificação. Ocorre que a LVA tem o poder de aprimorar sete delas, direta ou indiretamente. Quando lemos para os filhos ou para os alunos, proporcionamos o aperfeiçoamento da escuta das palavras, aumento de vocabulário, contato com estruturas sintáticas complexas, além de muito conhecimento de mundo, uma vez que as histórias os levam a realidades diferentes das que elas vivenciam no dia-a-dia. Jim Trelease, escritor do manual de leitura em voz alta, afirma que se houvesse uma pílula que oferecesse tantos benefícios acadêmicos às crianças quanto a LVA, haveria uma fila quilométrica de pais para consegui-la.
Você, leitor, poderia objetar: meu filho estuda em uma escola clássica, acho que não preciso me preocupar, certo? Errado. Considerando o curto tempo que as crianças em geral passam em uma escola e toda exigência curricular atual, você pai e mãe pode fazer muito mais por seus filhos. Então mesmo sem conhecer literatura infantil ou saber as melhores estratégias de leitura, escolha uma boa história, de preferência uma que você goste, e convide seu filho para uma leitura partilhada.
Você não vai se arrepender!
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