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  • Foto do escritorMarina Cappai Santos

Como Entendemos a Paideia de Cristo

Tenho investido meu tempo, em cada evento da escola, para trazer luz a pontos importantes relativos à educação. Já conversamos sobre tradição, sobre a história da educação clássica, seus três pilares gregos – bondade, verdade e beleza -, além de abordar o tema da piedade cósmica e sua relação com o logos divino. A presente reflexão trata do termo Paideia como uma introdução ao tema da educação cristã clássica, para tanto será necessário compreender um pouco da tradição grega.


Na era clássica, a palavra paideia tinha um significado mais abrangente do que o que chamamos de educação nos nossos dias. Para se ter uma ideia, existem vários volumes de livros que tratam apenas desse tema. Um dos títulos mais famosos é o de Werner Jaeger, um grande estudioso do tema. Jaeger explica que os gregos deram o nome de Paideia a todas as formas de criações espirituais e ao tesouro completo da sua tradição, ou seja, o termo paideia seria mais próximo do sentido de “cultura”. Dessa forma, para traduzir o termo Paideia não se pode evitar o emprego concomitante de várias expressões modernas como civilização, tradição, literatura ou educação. Cada um desses termos se limita a exprimir um aspecto daquele conceito global, nenhum deles coincide, porém, com o que os gregos entendiam por Paideia.


Percebe-se então que o termo compreende um olhar mais abrangente da formação do ser humano. É o processo de ensinar a uma criança os costumes, a moral, as tradições, o patrimônio, a arquitetura, as crenças e a visão de mundo de um povo. Na cultura pós-moderna é quase óbvio pensar que a parte mais importante dessa formação se dá na escola. No entanto, a cultura de nossos lares pode validar ou não o que se aprende nos lugares frequentados pelas crianças como a igreja ou a escola. De modo que é preciso pensar o que mais pode estar contido nessa Paideia.


Em outras palavras, pode-se incluir nessa formação os filmes, músicas e cantores preferidos, as bonecas que nossas filhas brincam, os livros que leem, a forma como nossos filhos jogam futebol, o horário que dormem e acordam, o que comem, as conversas em família, a forma que você trata o seu pecado e o pecado do seu filho, o time para o qual torcem, as crianças com as quais nossos filhos brincam e se relacionam, os passeios e viagens em família, a igreja que congregam, a forma como falamos dos outros, a forma como nos vestimos. Tudo é Paideia.


A educação da criança grega contava com dois personagens: o pedagogo e o mestre-escola. O primeiro era um servo que acompanhava o aluno em todos os momentos de seu dia, alguém que lhe ensinava como conduzir-se no mundo e na vida além de tratar das boas maneiras. O segundo, o mestre-escola, introduzia o aluno no aprendizado da música e da ginástica. O trabalho do servo era considerado muito mais importante do que o mestre-escola, uma vez que ele apresentava ao aluno a Paideia grega, na cultura, valores, história, costumes entre outros aspectos importantes da vida para que a criança entendesse seu papel dentro daquela sociedade. Esse ensino moral e espiritual era considerado basilar para os estudos linguísticos e matemáticos.


Henri Marrou, um dos historiadores da antiguidade, nos lembra do ideal da Paideia: “O classicismo não se contenta em formar um letrado, um artista, um sábio; ele tem em vista o homem, ou seja, antes de tudo um estilo de vida conforme a uma norma ideal. Quando o grego menciona a “formação da infância, é antes de tudo, e essencialmente à formação moral que faz alusão.” Todo ensino grego e romano era um ensino moral. Toda a formação dos aspectos da vida antiga era Paideia.


Não obstante, a visão atual de educação é fragmentada. Cada um dos pontos citados são vistos em “caixas” diferentes. É difícil para nós termos uma visão integral da educação tal qual os gregos. E, pior, acabamos nos esquecendo de que a educação espiritual e moral deve sempre ter a primazia. Mais do que tudo, trata-se de Paideia.


Na carta aos Efésios, o Apóstolo Paulo diz: “E vós pais não provoqueis vossos filhos à ira, mas criai-os na disciplina e na admoestação do Senhor.” (Efésios 6:4). Paulo exorta os cristãos a criarem seus filhos na disciplina e instrução do Senhor. O apóstolo utiliza dois termos gregos que são: “Paideia” para disciplina e a “Nouthesia” para instrução. Ambas, como podemos ver, têm significados similares. Aqui inaugura-se uma nova forma de enculturação.


É preciso lembrar que o novo testamento foi escrito em grego e a Paideia na qual os primeiros cristãos estavam inseridos era a Greco-Romana. Assim como a palavra democracia para nós, paideia para um grego era uma palavra comum. É, portanto, significativo que Paulo utilize a expressão “Paideia do Senhor”. Considerando que a Paideia é o processo de enculturação nos costumes de um povo, o ensino efetivo de uma visão de mundo, a Paideia do Senhor deveria ser uma enculturação nos costumes e na cultura do povo cristão. Cristo havia sido assunto aos céus e tudo era extremamente novo para os cristãos daquela época. Se os pais dissessem para Paulo: nós não temos uma cultura, não temos uma Paideia, Paulo, possivelmente, responderia: realmente vocês não têm!


O pastor Henry Van Til, certa vez, observou que uma cultura é uma religião exteriorizada. Nós humanos somos criaturas formadoras de cultura e nada pode ser feito para impedir isso, criamos cultura nas situações mais corriqueiras. Quando pensamos em nos abrigar da chuva, por exemplo, a forma como imaginamos o desenho e construímos nossa casa, a inclinação particular que o telhado terá, o formato das portas e janelas, a escolha da cor e forma específica da construção refletem algo interior. A questão é que essa forma de pensar o mundo pode ser apreendida por outros. Quando cristãos se reúnem e instruem seus filhos, essa comunidade fará isso de uma forma particular, que refletirá os compromissos cristãos. Essa é a Paideia cristã, que acontecerá mesmo se estivermos desatentos e desinteressados. Porém, mais do que outros quaisquer, pais cristãos devem fazê-la de forma intencional, cuidadosa e bíblica.


Uma educação cristã não pode sobreviver no coração de uma criança quando ela é vivida somente em parte ou em um momento do dia. É por isso que as famílias cristãs, principalmente as que estão em escolas cristãs clássicas, devem buscar a Paideia do Senhor para seus lares. O primeiro passo para o cultivo da Paideia cristã é o envolvimento da família com a igreja local. Uma comunidade de fé fortalece nossas crenças, nos dá base doutrinária de vida, pastoreia nosso coração, cuida de nossas almas.


Sofia Cavaletti, no livro “O Potencial Religioso da Criança”, aborda a necessidade de conexão com Deus que existe no coração das crianças Seu trabalho emergiu de observações que fez na Itália, na década de 60. No início do livro, a autora nos lembra um certo tipo de noção sobre o ensino de uma religião às crianças, aquela em que esse ensino seria uma forma de imposição de preferências pessoais aos outros. Os gregos, ao contrário disso, transmitiam sua tradição sem muitos questionamentos, já que eles confiavam em seus antepassados e o relativismo não havia invadido o pensamento da época. No livro de Cavaletti há um relato bem peculiar em que uma criança perguntou para sua mãe se ela gostava mais dele - o filho - ou de Deus. Quando a mãe afirmou que o amava mais do que a Deus, o filho questionou o fato, classificando-o como um grande erro da mãe. O título traz muitos outros relatos espontâneos de crianças que entendem e desejam o Bom Pastor, que, muitas vezes, se sentem salvas só de estar próximo daqueles que o conduzem para o nosso Mestre.


Diferente dos tempos de Paulo, a Tradição Cristã de hoje é reconhecível e tornou-se pauta para muitos estudos e análises. Estamos, portanto, equipados para ensinar nossas crianças a viver de um modo digno e agradável a fim de glorificarmos ao Senhor com todo nosso ser, de toda nossa alma e entendimento.


A Paideia de Deus não é algo que possa restringir-se a uma pequena gaveta: ela é cultura, vida espiritual, virtudes, dentre outras coisas, a Paideia de Deus é tudo isso junto. Trata-se de um conjunto de valores e uma cultura viva, intrigante, que deve ser passada de pai para filho, deve ser valorizada e ensinada em cada aspecto do dia a dia. Façamos como os homens antigos que foram tão frutíferos, vamos investir na vida cristã de nossos filhos, na vida cristã familiar, na Paideia do Senhor. Somos um povo separado. Não deveríamos nós buscar as coisas superiores para depois buscarmos as terrenas?


Que Deus nos ajude a caminhar olhando para o varão perfeito, Jesus, que nos ajuda a ver a vida com clareza e instrui nosso coração com as verdades eternas.



Marina Cappai Santos

Pedagoga e Especialista em Educação Cristã Clássica

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